A Madeira está a precisar de cuidados intensivos
Os oradores presentes no evento deste sábado no Colégio dos Jesuítas 📷 CMF/André Gonçalves 📷 |
A nossa casa comum está doente e a precisar de cuidados intensivos. As palavras são de João Baptista, um geólogo madeirense muito conhecedor da realidade do arquipélago. Foram proferidas ontem no Funchal na Mesa redonda (nem era metade redonda, em abono da verdade, dada a configuração dos participantes), subordinada ao tema "A Natureza, o Fogo e a Água, os Riscos e a Resiliência".
por Paulo Camacho
Ao usar da palavra, referiu que hoje as condições na ilha da Madeira estão mais propícias a que a próxima aluvião seja igualmente catastrófica, tal como a de 20 de fevereiro de 2010 e de outras. Isto por diversas razões como os incêndios nas serras, que as deixaram mais vulneráveis, e igualmente devido a um conjunto de obras que afirmou desrespeitarem o que está estabelecido na lei.
João Baptista chamou à atenção para a particularidade da Madeira, que chamou mesmo de "a ilha das aluviões", pelo facto de entre 1601 e 2013 ter ocorrido por cá 42 aluviões, sendo a mais marcante a que aconteceu em 1803, a 9 de outubro. Resultou na morte de centenas de pessoas principalmente nos concelhos do Funchal, Machico, Ribeira Brava, Santa Cruz e Calheta.
Raimundo Quintal, o geógrafo madeirense muito ligado às questões ambientais, e que já foi vereador na Câmara Municipal do Funchal, disse que os 18 milhões de euros gastos na construção do radar do Pico do Areeiro, permitiria que a área central da ilha, fustigada pelos incêndios, estivesse em avançado estado de recuperação.
Uma sala cheia para ouvir falar de questões presentes do dia-a-dia dos madeirenses 📷 CMF/André Gonçalves 📷 |
Por seu turno, o presidente da Câmara Municipal do Funchal, que organizou o evento no Colégio dos Jesuítas, concluiu que “quando se fala de resiliência e de prevenção, estamos a falar de responsabilidade política, mas também da responsabilidade de cada um dos cidadãos, porque cada um pode e dever ter ações concretas no que diz respeito à sua segurança e à segurança da sua cidade”. Daí que Paulo Cafôfo tenha afirmado que “hoje compete-nos a todos refletir sobre o que foi feito e sobre o que falta fazer”.
O presidente reconheceu que o Funchal tem caraterísticas orográficas e de ocupação do território que nos “sujeitam a determinada vulnerabilidade, em termos de incêndios e aluviões, e é preciso ter a consciência de que estes vão continuar a acontecer no futuro, dadas as características do nosso território. Mas não estamos aqui para dramatizar, estamos aqui para refletir sobre aquele que deve ser um trabalho contínuo no sentido de minimizar os riscos, e este é um painel com as pessoas certas, especialistas que conhecem muito bem o nosso território e cujos contributos de cidadania me cabe a todos agradecer”.
Centro integrado de conhecimento
e gestão de desastres naturais
Outro dos oradores foi José Carlos Marques, diretor do Departamento de Ciência e Recursos Naturais da CMF. Entre o que falou sobressai a defesa da criação de uma área de silvopastorícia de 65 hectares no Parque Ecológico do Funchal. Não para reintroduzir sem regras gado na serra mas antes numa área delimitada, embora tenha afirmado que não há drama em “coabitar estas coisas”.
O professor Betâmio de Almeida foi outro dos presentes na Mesa redonda. Responsável pelo "Estudo de Avaliação do Risco de Aluviões na Ilha da Madeira", defendeu a criação de um centro integrado de conhecimento e gestão de desastres naturais, o que qual considera fundamental.
Explicou que teria um âmbito regional, envolveria múltiplas instituições, teria uma tutela política abrangente, integraria o sistema de previsão e alerta/aviso e trabalharia em colaboração com o Serviço Regional da Proteção Civil.
Críticas à divisão dos bombeiros
na cidade do Funchal
Por seu turno, Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, entende que não faz sentido que existam duas corporações de bombeiros no Funchal, onde apenas uma depende diretamente do município, havendo outra que presta socorro e que está fora da área de responsabilidade do responsável máximo pela proteção civil na cidade é o presidente da Câmara Municipal do Funchal.
Isto para além de considerar que a existência das duas corporações origina "alguma dificuldade de intervir e de organizar o socorro".
A Mesa redonda, organizada quando são passados oito anos da aluvião do 20 de fevereiro, reuniu Betâmio de Almeida, Raimundo Quintal, João Baptista, Fernando Curto e José Carlos Marques.
Esteve presente de mais de uma centena de pessoas no debate de cidadania, que constituiu uma oportunidade para abordar estes temas com especialistas de referência, e que se assumiu como um debate de toda a cidade.
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